Raízes e Rastros: A História e Formação do Brasil Colônia
Nesta seção, exploramos a rica história da cidade de Campos dos Goytacazes, abordando desde os povos originários até as formações geológicas, os manguezais e os conflitos pela água. Esperamos que você se envolva nesse vasto oceano de informações e se encante com toda essa história e cultura tão ricas.
Na remota praia do Farol de São Tomé, a viagem imaginária no tempo nos leva há 2 milhões e quinhentos mil anos, onde não existia uma praia como conhecemos hoje. O continente se encontrava mais recuado, com praias arenosas entre pedras, e nadar até Itereré era necessário devido ao avanço das águas. Alberto Ribeiro Lamego, em seu livro “O homem e o brejo”, de 1945, propôs a ideia de um continente em crescimento, com a formação de tabuleiros no mar e a construção da planície fluviomarinha. O rio Paraíba do Sul desempenhou um papel crucial, transportando sedimentos da zona serrana e dos tabuleiros para depositá-los em um mar raso. Inicialmente, o curso do rio formou um delta tipo pé de ganso, com dedos longos que dificultavam a descarga da água no mar. Com o tempo, o rio se dividiu em dois grandes braços, um deles seguindo em direção à praia do Farol, enquanto outro se dirigiu ao ponto atual de deságue do Paraíba do Sul no mar. Essa complexa evolução geológica contribuiu para a formação da planície dos Goytacazes.
Recuando apenas dez mil anos no tempo, testemunhamos mudanças significativas. O nível do mar era mais baixo, permitindo que o continente avançasse mais profundamente. Com o aumento das temperaturas e o derretimento das geleiras, o nível do mar subiu consideravelmente, alcançando cem metros em diversas partes do planeta. Nessa época, a vasta planície do norte fluminense foi invadida pelo mar, atingindo a zona serrana em Itereré e formando uma grande lagoa demarcada por ilhas. Os tabuleiros, compostos por argila grossa com concreções ferruginosas, estavam ligados a uma grande restinga que se estendia da Barra do Furado até o rio Macaé. Contudo, a interferência climática levou a um recuo do mar, e o rio Paraíba do Sul desempenhou um papel fundamental no aterramento dessa grande lagoa, moldando a paisagem atual. Durante esse processo de recuo, áreas costeiras, principalmente as planícies, tornaram-se importantes depósitos de carbono. As oscilações do recuo do oceano ao longo de milhares de anos proporcionaram a formação e armazenamento desse precioso elemento nas áreas alagadas, destacando a relevância ecológica e climática desse delicado equilíbrio.
Os manguezais ao longo da ecorregião de São Tomé sofreram diversas influências antropogênicas, impactando significativamente sua saúde e biodiversidade. Os rios com foz permanentemente aberta, como Itapemirim, Itabapoana e Guaxindiba, mantiveram manguezais menos afetados. Entretanto, o Rio Macaé enfrentou intensos impactos devido ao adensamento urbano e despejo de resíduos pela Petrobras. As lagoas costeiras, paralelas ou perpendiculares à costa, foram particularmente penalizadas. O barramento natural de rios e deltas em restingas, essencial para a comunicação mar-lagoa-mar, foi comprometido por sucessivas obras de drenagem e represamento. Estradas mal planejadas e interrupções no fluxo de água também contribuíram para a deterioração dos manguezais em lagoas como Caculucaje, Paulista, Carapebus e outras. O relato destaca a fragilidade dos ecossistemas costeiros diante das ações humanas, evidenciando a necessidade de abordagens sustentáveis para preservar esses importantes habitats.
O Donatário da Capitania de São Tomé foi o fidalgo português Pedro de Góis. Ele chegou ao Brasil na expedição exploratória dos irmãos Martin Afonso de Sousa e Pero Lopes de Sousa. A Capitania se estendia por 30 léguas entre as Capitanias do Espírito Santo e de São Vicente. Pedro de Góis voltou para Portugal em 1536, solicitando a doação de terras na Colônia. Recebendo o foral em 1537, retornou em 1538 e fundou a Vila da Rainha em 1539. Os primeiros anos foram produtivos, mas após conflitos com os índios goitacás e puris, Pedro de Góis encontrou a vila destruída em seu retorno de Portugal. Em 1548, ele abandonou o empreendimento, e a região foi colonizada pela Capitania do Espírito Santo. Mais de cinquenta anos depois, Gil de Góis da Silveira, herdeiro de Pedro de Góis, retomou a Capitania com a fundação da Vila de Santa Catarina de Mós em 1619. No entanto, após um incidente envolvendo sua filha adotiva Catarina, a vila foi destruída pelos indígenas, e Gil de Góis renunciou em 1619.
Os Goytacá eram povos indígenas da região onde hoje fica Campos dos Goytacazes. Descritos como cabeludos, altos e bravos, eram conhecidos por sua estatura, pele clara e características físicas distintas. No início do século XVII, historiadores relatam que os colonizadores europeus ficaram assustados com a bravura dos Goytacá, que não aceitavam ser domesticados. A cultura dos Goytacá começou a ser mais conhecida nas décadas de 60, 80 e 90, quando um sítio arqueológico em Campos revelou ossadas e cerâmicas indígenas. A região ainda guarda essa herança, e pesquisadores buscam aprender mais sobre os hábitos e características dos Goytacá. Um aspecto peculiar era o ritual de iniciação, onde jovens eram lançados ao mar para enfrentar tubarões e trazer suas presas, demonstrando coragem e destemor.
A aroeira desempenhou um papel fundamental na vida dos Goytacazes, transcendendo seu uso meramente prático para se tornar um elemento sagrado e simbólico em sua cultura rica e espiritual. Conforme registrado por Lamego, a aroeira era mais do que uma simples árvore para esses indígenas, era uma conexão vital entre o mundo dos vivos e o dos espíritos. A árvore sagrada era reverenciada em cerimônias religiosas, onde sua presença era essencial para representar o espírito da terra. Considerada símbolo de fertilidade e renovação da vida, a aroeira transcendeu seu aspecto físico para se tornar uma ligação espiritual, permeando a cosmovisão dos Goytacazes. Além de sua importância espiritual, a aroeira era uma aliada prática para esses indígenas. Sua madeira forte e durável desempenhava um papel vital na construção de casas, canoas, pontes e diversos objetos do cotidiano. Nos rituais, a aroeira era moldada para construir altares e objetos cerimoniais, enquanto seus frutos, além de serem comestíveis, eram utilizados na preparação de sucos, doces e outros alimentos. A versatilidade da aroeira reflete-se na multiplicidade de usos pelos Goytacazes, indo além do material para construção e alimentação. A árvore tornou-se uma presença constante na vida desses indígenas, não apenas como recurso prático, mas como parte integrante de sua identidade cultural e espiritualidade.
A Terra Goytacá, à luz de documentos inéditos é uma obra monumental de Alberto Lamego, publicada em oito volumes entre 1913 e 1947. A obra é um estudo sobre a história, a cultura e a geografia da região norte do estado do Rio de Janeiro, conhecida como Terra Goytacá.
Lamego, um historiador e geógrafo fluminense, dedicou sua vida ao estudo da história e da cultura do Norte Fluminense. A Terra Goytacá é o resultado de décadas de pesquisa e reúne uma vasta documentação, incluindo documentos inéditos, relatos de viajantes, mapas e fotografias.
A obra é dividida em oito volumes:
- Volume 1: 1500-1674: Povos e civilizações da Terra Goytacá
- Volume 2: Dominação dos assecas: 1674-1753
- Volume 3: Dominação da Coroa: 1753-1822
- Volume 4: Dominação da Coroa: 1822-1889
- Volume 5: República: 1889-1912
- Volume 6: Apontamentos para a história de Campos dos Goytacazes
- Volume 7: Apontamentos para a história de São João da Barra
- Volume 8: Apontamentos para a história de Macaé
O volume 1 da obra trata da história dos povos indígenas que habitavam a Terra Goytacá antes da chegada dos europeus. Lamego descreve os diferentes grupos indígenas que viviam na região, sua cultura, sua organização social e sua relação com o meio ambiente.
Os volumes 2 a 5 tratam da história da Terra Goytacá durante o período colonial e imperial. Lamego descreve a colonização da região, a escravidão, a economia açucareira, a Guerra dos Emboabas e a Revolução Farroupilha.
O volume 6 trata da história de Campos dos Goytacazes, a principal cidade da região. Lamego descreve o desenvolvimento da cidade, sua economia, sua cultura e sua importância histórica.
Os volumes 7 e 8 tratam da história de São João da Barra e Macaé, duas outras importantes cidades da região. Lamego descreve o desenvolvimento dessas cidades, sua economia, sua cultura e sua importância histórica.
A Terra Goytacá é uma obra fundamental para o estudo da história e da cultura do Norte Fluminense. A obra é um repositório de informações valiosas sobre a região e é uma referência indispensável para historiadores, geógrafos e outros estudiosos.
A obra também é importante para a preservação da memória cultural da região. Lamego foi um dos primeiros a estudar a história e a cultura dos povos indígenas do Norte Fluminense. A obra de Lamego contribuiu para a valorização da cultura indígena da região e para a preservação da memória dos povos que habitavam a Terra Goytacá antes da chegada dos europeus.
O artigo Água e conflito na Baixada dos Goytacazes, de Paulo Roberto F. Carneiro, publicado em 2004, analisa os conflitos em torno do uso da água na região da Baixada Campista, no norte do estado do Rio de Janeiro. O autor busca entender como a dinâmica de apropriação da água na região contribuiu para o surgimento e a intensificação desses conflitos.
A região da Baixada Campista é caracterizada por uma topografia plana e baixa, com um clima tropical úmido. Essa combinação de fatores naturais favoreceu o desenvolvimento de uma rica biodiversidade, com destaque para as lagoas, brejos e mangues. A partir do século XIX, a região passou a ser ocupada por uma economia agroexportadora baseada na cana-de-açúcar. O cultivo da cana exigia grandes extensões de terra, o que levou à drenagem das lagoas e brejos para a conversão em terras agricultáveis. Essas transformações na paisagem da Baixada Campista tiveram impactos significativos nos modos de vida tradicionais da região, sobretudo nas comunidades de pescadores. A drenagem das lagoas e brejos reduziu os estoques de peixes e camarões, prejudicando a atividade pesqueira.
Em 1930, foi criado o Departamento Nacional de Obras de Saneamento (DNOS), órgão federal responsável pela execução de obras de saneamento básico e irrigação. O DNOS teve um papel central na consolidação do processo de drenagem da Baixada Campista. O órgão construiu uma extensa rede de canais de drenagem, que permitiu a conversão de grandes áreas de lagoas e brejos em terras agricultáveis. A atuação do DNOS foi determinante para a expansão da monocultura da cana-de-açúcar na região.
A expansão da agricultura irrigada na Baixada Campista acirrou os conflitos em torno do uso da água. Os proprietários rurais e as usinas de açúcar passaram a disputar o acesso à água dos canais de drenagem.Os pescadores, por sua vez, viram seus modos de vida tradicionais ameaçados pela redução dos estoques de peixes e camarões. Esses grupos passaram a se organizar para reivindicar seus direitos sobre a água.
Em 1990, o governo Collor extinguiu o DNOS. Essa medida, inserida no contexto das reformas neoliberais, representou um duro golpe para a gestão dos recursos hídricos na região. Sem a atuação do DNOS, os conflitos em torno do uso da água se intensificaram. Os proprietários rurais e as usinas de açúcar passaram a construir barragens e açudes para garantir o abastecimento de suas áreas irrigadas.