Dentre os elementos de destaque da cultura imaterial goitacá estarão presentes na aldeia cultural cognominada Aldeia Goitacá: as saudações pacíficas, a música, a dança de boas-vindas e o idioma da família linguística Coroado (LOUKOTKA, 1937). Na Aldeia Goitacá será feita uma oficina de música indígena onde os tabritonté (palavra coroado que significa “dócil”, “aquele que aprende com facilidade”, “aprendiz”) desenvolverão seus talentos musicais. Será realizado um trabalho de paisagem sonora em ambientes naturais na planície aluvial e costeira do norte fluminense com o objetivo de criar instrumentos musicais que representam a natureza sonora da região. Nessa mesma proposta, teremos como referência a música dos povos Jê e Tupi. Temos como referência principal a música e as danças dos Tupinambá, isso porque, segundo o cronista Gabriel Soares de Sousa “esse gentio” (goitacá) tem “muita parte dos costumes dos Tupinambás, assim no cantar” e “no bailar” (SOUSA, 1879, p. 68). Os tupinambás (ou tamoios) eram vizinhos dos goitacás. Esses povos viviam no estado do Rio de Janeiro nas proximidades do rio Una. Provavelmente os tamoios não eram inimigos dos Goitacá, embora às vezes, pudesse ocorrer conflitos entre eles assim como havia, de vez em quando, conflitos entre tribos Goitacá. Houve ocasião em que os goitacás e tamoios uniram-e aos franceses numa guerra contra os portugueses. Mas os Goitacá não confiavam inteiramente nos Tupinambá. Havia entre os tupinambás a crença de que comer a carne de um guerreiro inimigo, um prisioneiro de guerra, ficaria com a força dele. Não há evidências históricas e específicas de que os goitacás tinham a mesma crença, embora alguns pesquisadores defendam essa ideia. Segundo Gabriel Soares de Sousa os goitacás “não eram muito amigos de comer carne humana, como o gentio atrás” (SOUSA, p.67-68), ou seja, os Tupinambá. A carne humana não era uma iguaria apreciada no cardápio dos Goitacá. Talvez esses indígenas soubessem dos efeitos colaterais de se alimentar de carne humana e assim evitavam costumeiramente consumi-la. Quando os Goitacá estavam em situação de guerra confrontando-se com inimigos antropofágicos tinham uma reação que davam a entender que eram canibais. Em passagem pelas campinas um tanto alagadas da planície norte fluminense, dois missionários jesuítas de mesmo nome João e o capitão-mor Estevão Gomes viram coisas que fizeram pensar que os Goitacá eram canibais. Em alguns terrenos os visitantes viram um “monte de ossadas humanas”. Em certa ocasião viram também um homem esfolado recém-morto “ao pé de uma árvore”. Um nativo goitacá explicou aos padres jesuítas que “o homem esburgado da carne e da vida” foi morto e colocado ali para “espantar” os inimigos e fazê-los “não entrarem em luta”. O homem parecia ter “sido comido” por seus “contrários” ou inimigos. Provavelmente, todo o cenário feito pelos Goitacá, fazia parte de uma simulação para intimidar e afastar os inimigos antropofágicos que ao verem, por exemplo, “o homem esburgado na carne” e os “terrenos com monte de ossadas” dos inimigos expostos (VASCONCELOS, 1658, p.158-159) pensavam que os Goitacá absorveram as forças do guerreiro e, portanto, estavam mais fortes e invencíveis.
Portanto o canibalismo e rituais antropofágicos não eram elementos que configuravam a cultura Goitacá ou seu modo de vida. Sendo assim, não faremos nenhuma menção dessas práticas nas expressões artísticas da nossa aldeia. Não citaremos rituais antropofágicos em nenhuma letra de música nem produziremos coreografias que lembrem esses atos violentos, grotescos e completamente irracionais. Ao invés disso, a nossa cosmovisão sempre será a “paz”, “boa amizade”, “alegria”, lealdade” (VASCONCELOS, 1658, p.156-158 ), saudações pacíficas e hospitalidade (MALDONADO; PINTO, 1893). O nosso foco será desfazer a ideia eurocêntrica e preconceituosa imposta aos Goitacá de “índio selvagem, feroz, os mais terríveis do Brasil, bravos e canibais”.
Referências
(2) – VASCONCELOS, Simão de. Vida do P. Joam d’Almeida da Companhia de Iesu, na Provincia, composta pello padre Simão de Vasconcellos da mesma Companhia, provincial na dita provincia do Brazil. Dedicada ao Senhor Salvador Correa de Sá, & Benavides dos Conselhos de Guerra, & Ultramarino de Sua Magestade. Lisboa: Oficina Craesbeeckiana, 1658. Disponivel em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/671 . Acesso em 05 junh. 2024.
(3) – MALDONADO, Miguel Ayres e PINTO, Jozé de Castilho. Descripção que faz o Capitão Miguel Ayres Maldonado e o Capitão Jozé de Castilho Pinto e seus companheiros dos trabalhos e fadigas das suas vidas, que tiveram nas conquistas da capitania do Rio de Janeiro e São Vicente, com a gentilidade e com os piratas n’esta costa. Revista do Instituto Histórico e Geographico do Brasil, tomo LVI. Rio de Janeiro: Companhia Typographica do Brazil, 1893. Disponível em: https://books.google.com.br/books?id=AGFKAQAAMAAJ&newbks=1&newbks_redir=0&printsec=frontcover&hl=pt-BR&source=gbs_ge_summary_r&cad=0#v=onepage&q&f=false . Acesso em 05 junh. 2024.
(4) SOUSA, Gabriel Soares de. Tratado Descriptivo do Brasil em 1587. Rio de Janeiro: Typographia de João da Silva,1879. Disponível em: Tratado descriptivo do Brasil em 1587 (senado.leg.br) Acesso em 05 de junh. 2024.